quarta-feira, 1 de março de 2017

Nos 452 anos da Cidade do Rio de Janeiro um pouco de Drummond


Foto: Leo Aversa


Canto do Rio em Sol


Guanabara, seio, braço

de a-mar:
em teu nome, a sigla rara
dos tempos do verbo mar.


Os que te amamos sentimos

e não sabemos cantar:
o que é sombra do Silvestre
sol da Urca
dengue flamingo
                                                    mitos da Tijuca de Alencar.                                                        

                                                                           

Guanabara, saia clara

estufando em redondel:
                     que é carne, que é terra e alísio                       
em teu crisol?


Nunca vi terra tão gente

nem gente tão florival.
Teu frêmito é teu encanto
(sem decreto) capital.


Agora, que te fitamos

nos olhos, 
e que neles pressentimos 
o ser telúrico, essencial, 
agora sim és Estado
de graça, condado real.



Rio, nome sussurrante,

Rio que te vais passando
a mar de estórias e sonhos
e em teu constante janeiro
corres pela nossa vida 
como sangue, como seiva
-- não são imagens exangues
como perfume na fronha
... como pupila do gato
risca o topázio no escuro.
Rio-tato-
-vista-gosto-risco-vertigem
Rio-antúrio






Rio das quatro lagoas

de quatro túneis irmãos
Rio em ã
Maracanã
Sacopenapã
Rio em ol em amba em umba sobretudo em inho
de amorzinho
benzinho
dá-se um jeitinho
do saxofone de Pixinguinha chamando pela Velha Guarda
como quem do alto do Morro Cara de Cão
chama pelos tamoios errantes em suas pirogas
Rio, milhão de coisas
luminosardentissuavimariposas:
como te explicar à luz da Constituição?



Irajá Pavuna Ilha do Gato

-- emudeceram as aldeias gentílicas?
A Festa das Canoas dispersou-se?
Junto ao Paço já não se ouve o sino de São José
pastoreando os fiéis da várzea?
Soou o toque do Aragão sobre a cidade?

Não não não não não não não

Rio, mágico, dás uma cabriola, 

teu desenho no ar é nítido como os primeiros grafismos,
teu acordar, um feixe de zínias na correnteza esperta do tempo
o tempo que humaniza e jovializa as cidades.
Rio novo a cada menino que nasce
a cada casamento
a cada namorado
que te descobre enquanto rio-rindo.
assistes ao pobre fluir dos homens e de suas glórias pré-fabricadas.


Carlos Drummond de Andrade


Fonte: http://www.casadobruxo.com.br/poesia/c/drumond43.htm