"Atualmente a área disponível de Mata Atlântica é apenas um resquício do que foi no passado; apesar disso continua sendo sufocada. Não só os seres vivos que vêm sendo exterminados, mas também relações complexas entre esses mesmos seres e o ambiente, que não se desenvolveram e evoluíram da noite para o dia. Aliás, um espaço de tempo como esse é o suficiente para botar abaixo grandes áreas de mata.
No meio dessa diversidade de seres da Mata Atlântica, a bióloga Maria Alice dos Santos Alves tem como objeto de pesquisa as aves, focando nas espécies endêmicas; isso é devido por elas serem restritas a esse ambiente, o que as tornam muito vuneráveis às modificações e destruições da Mata Atlântica; ao contrário das migratórias que pelo menos uma vez ao ano se deslocam para outros habitats, percorrendo longas distâncias"(alfeu)
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FAPERJ
Para preservar as aves da Mata Atlântica
Por Debora Motta
Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá/ as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá. Nos versos da Canção do Exílio, o poeta Gonçalves Dias, um dos maiores representantes do romantismo brasileiro na literatura, enalteceu as aves da Mata Atlântica, bem como a diversidade da natureza do Novo Continente. “Provavelmente, o poeta se referia ao sabiá-da-praia, ave da Mata Atlântica com o nome científico Mimus gilvus, que, à época, era muito comum na faixa de vegetação próxima à praia. Ele costuma ser capturado porque tem um canto belíssimo”, avalia a bióloga Maria Alice dos Santos Alves, professora e pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ.
Hoje, a ave cantada em verso e prosa foi referendada em um dos estudos coordenados pela pesquisadora, na categoria de espécie "Em perigo". "Em um artigo que foi publicado na revista Zoologia, sobre a atual distribuição do sabiá-da-praia no estado do Rio de Janeiro, referendamos a espécie como 'Em perigo', após um estudo quantitativo no estado, realizado a partir de 2000", disse a bióloga. “Atualmente, a população estimada do sabiá-da-praia varia entre 2.600 a 13 mil indivíduos. Essa ave era comum no litoral do estado inteiro, mas hoje só existe em quatro restingas, das 21 estudadas”, completou.
“A ave foi qualitativamente categorizada como ‘Em perigo’ em 2000, o que significa que a extinção poderia ocorrer em um futuro próximo, em torno de algumas décadas”, destacou Maria Alice. Vale lembrar que, de acordo com a lista vermelha, elaborada pela União Internacional para a Conservação da Natureza – IUCN, na sigla em inglês (http://www.iucnredlist.org/), o ranking dos animais, por ordem de mais ameaçados, apresenta as seguintes categorias: A) Provavelmente extinta (quando a espécie não tem registro nos últimos 30 anos; B) Criticamente em perigo; C) Em perigo; e D) Vulnerável.
Esse monitoramento das aves faz parte do trabalho de Maria Alice, que vem se dedicando há aproximadamente 20 anos ao estudo da ecologia e da conservação das aves da Mata Atlântica e ecossistemas associados, juntamente com sua equipe, constituída por alunos de graduação e pós-graduação, assim como por colaboradores. “O objetivo do projeto é preencher lacunas de conhecimento sobre as aves endêmicas da Mata Atlântica e/ou ameaçadas no estado do Rio de Janeiro, realizando estudos de mapeamento dessas espécies”, resumiu a coordenadora do Laboratório de Ecologia de Aves da Uerj.
Conhecer melhor essa biodiversidade é fundamental para a preservação das espécies. Afinal, das aproximadamente 1.800 espécies de aves existentes no Brasil, de acordo com dados do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO), cerca de 40% estão no estado do Rio de Janeiro – aproximadamente 800. “Estudamos também aves da Mata Atlântica, ressaltando que as espécies endêmicas, que são aquelas que ocorrem somente em uma determinada área ou região geográfica, tendem a ser mais suscetíveis à extinção. No estado, a região que mais possui registros de espécies endêmicas e/ou ameaçadas é a região serrana central, incluindo a parte entre a Serra do Tinguá, Três Picos e Serra dos Órgãos, seguida da Costa Verde”, afirmou.
Espécies de aves ameaçadas
Uma das aves endêmicas e ameaçadas do estado, que tem sido estudada pela pesquisadora é o formigueiro-do-litoral (Formicivora littoralis). Essa espécie graciosa, de plumas negras, apenas existe nas restingas situadas em um pequeno trecho da Região dos Lagos, entre Saquarema e Búzios. “A especulação imobiliária é uma ameaça a essa espécie de restinga, que vai perdendo seu habitat nas regiões litorâneas para a construção de condomínios de luxo ou de imóveis decorrentes do crescimento humano desordenado. O formigueiro-do-litoral é a única espécie de ave endêmica de restinga e ocorre apenas no estado do Rio de Janeiro. Essa ave hoje também está na categoria ‘Em perigo’, o que foi constatado por nosso estudo quantitativo. Antes de 2000, quando realizamos um primeiro inventário, estava categorizada globalmente como ‘Criticamente em perigo’. Com as alterações climáticas, o formigueiro-do-litoral tenderia a desaparecer em algumas décadas porque, assim como o sabiá-da-praia, ele vive em uma faixa estreita de vegetação próxima ao litoral”, alertou.
Uma ave de rara beleza da Mata Atlântica, também considerada uma espécie endêmica, é o beija-flor conhecido popularmente como rabo-branco-mirim (Phaethornis idaliae). Ele possui uma extensa cauda com ponta branca e garganta acastanhada. “O rabo-branco-mirim não está ainda ameaçado de extinção, mas ocorre apenas em uma estreita faixa de Mata Atlântica entre parte do estado do Rio de Janeiro e o sul da Bahia”, afirmou Maria Alice. Outras aves, conhecidas como dançarinos, pelo fato de os machos competirem pelas fêmeas dançando, não têm a mesma sorte no estado do Rio de Janeiro. Estas estão categorizadas como "Vulneráveis" – alto risco de extinção no médio prazo, com redução de pelo menos 20% da população em dez anos ou três gerações.
Com plumagem exuberante, eles são negros e têm apenas a cabeça revestida de vermelho (no caso da espécie Ceratopipra rubrocapilla) ou de branco (Dixiphia pipra). “Os dançarinos são espécies frugívoras, encontradas nas áreas representativas de baixada da Mata Atlântica, especialmente na Reserva Biológica União. Eles têm o importante papel de comer frutos e espalhar suas sementes pelo solo, ajudando na dispersão e consequentemente na manutenção da floresta”, explicou Maria Alice.
A expectativa da bióloga é que esse longo e contínuo trabalho se torne um referencial para a formulação de políticas públicas para a gestão e conservação do meio ambiente. “O estudo tem ajudado muito gestores do estado, do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), por exemplo, na formulação de políticas públicas. O Parque Estadual Costa do Sol, criado em 2011, que abrange parte de sete municípios na Região dos Lagos (Araruama, Armação dos Búzios, Arraial do Cabo, Cabo Frio, Saquarema e São Pedro da Aldeia), é um exemplo. Nossos estudos têm norteado gestores a identificar onde há ocorrência de espécies ameaçadas e suas suscetibilidades. O formigueiro-do-litoral é uma das aves encontradas na região e se tornou o símbolo do parque. Ele está em destaque nas logomarcas espalhadas pela placas de sinalização do lugar”, contou.
Além de identificar áreas estratégicas para a preservação da biodiversidade de aves no estado, Maria Alice coordena a realização de palestras em escolas públicas municipais, sobre a importância de se conservar essas espécies. “Temos um engajamento total. Ano passado, ministrei palestras para jovens e crianças do ensino médio e fundamental em escolas públicas de Saquarema e Araruama, e no Rio, no Colégio Pedro II”, relatou. “Não há como fazer ciência e tornar efetivo qualquer trabalho de preservação ambiental sem sensibilizar a sociedade. Precisamos conscientizar a população, e os jovens são importantes agentes modificadores”, concluiu.
A pesquisadora fez parte da organização do livro Estratégias e ações para a conservação da biodiversidade no estado do Rio de Janeiro, em que assinou um dos capítulos sobre "Aves endêmicas e ameaçadas no estado". O livro foi produto de um projeto financiado pelo Critical Ecosystem Paternship Fund (CEPF), executado pelo Instituto Biomas/Uerj, com coordenação geral de sua colega de departamento Helena G. Bergallo, e em parceria com agências governamentais e não governamentais (Fundação Cide, Embrapa Solos Agrobiologia Milho e Sorgo e Instituto Bioatlântica). A obra foi publicada com apoio da FAPERJ, em 2009. Em 2010, ela publicou conjuntamente com colaboradores internacionais de longo termo (Stuart Pimm e Clinton Jenkins) um artigo na revista internacional Biological Conservation sobre as áreas prioritárias para a conservação de aves no estado.
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Vídeos:
Cabeça-branca (Dixiphia pipra)
Formigueiro do Litoral (Formicivora littoralis)
Cabeça encarnada (Ceratopipra rubrocapilla)
Rabo branco mirim (Phaethornis idaliae)
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