Quando
era moleque, geralmente quando meu pai e eu íamos ao Centro da
cidade, era no sábado e o ônibus passava pela Av. Graça Aranha que tinha a mão invertida
em relação a de hoje. Um pouco antes do ponto que nós
descíamos havia um sinal que quase sempre estava fechado.
Apesar da impaciência dos adultos, esse momento para mim era
mágico. Da janela do ônibus a minha direita via um
imenso painel de azulejos em tons azul e branco com desenhos de
conchas tipo Pecten
e
cavalos marinhos. A imersão era total, ia nas profundezas
daquele mar, aquela obra cumpria o seu papel.
O
painel em questão é do
Palácio Gustavo Capanema
onde suas paredes externas são cobertas por painéis de
azulejos.
Palácio Gustavo Capanema
Nessa mesma época estudava na Praia Vermelha; muitas vezes resolvia voltar a pé para casa, ou porque tinha gastado todo o dinheiro com balas, figurinhas,... ou mesmo para mudar a rotina. No caminho passava em frente ao Iate Clube do RJ e no muro havia, e ainda estão lá, losangos quadrados com motivos obviamente relativos ao mar. Cada desses losangos era composto de 16 pequenos azulejos, com desenhos de barcos, timões, âncoras, cavalos-marinhos e diversos outros, e também tinham os traços em azul num fundo branco. Era um motivo para chegar um pouco mais tarde em casa, e como resultado os meus ouvidos sofriam demais nessas ocasiões.
Iate Clube do RJ (Google Maps)
Anos
mais tarde estive em Salvador com um primo, onde um irmão seu
morava por lá. Numa tarde meio chuvosa fui levado a conhecer
ao Convento
de São Francisco. Me lembro que um padre guiava os visitantes
e em um determinado momento entra numa sala e começa a
explicação sobre o local, cada móvel, objeto e
detalhes. Quando o padre aponta para aqueles rococós do teto,
que eram feitos de madeira, que tinham sido pintados com ouro, aí
a coisa se tranformou, o assunto ficou só no ouro, e a sala
começou a encher. Eu também estava me enchendo daquilo
tudo, quando eu me viro e ví um lugar surpreendente, depois
soube que era o claustro, cercado com paredes revestidas com painéis
de azulejos; eu praticamente sòzinho com eles. Ganhei o dia.
Claustro do Convento
de São Francisco
Essa curiosidade aos poucos foi aumentando principalmente na parte decorativa; as figuras, as texturas. Com isso entendi que
tinha feito uma viagem em direção ao passado e justo
nas construções representativas de cada época, no que se refere ao
Palácio Gustavo Capanema
e o Convento de São Francisco.
Antes disso, só mesmo indo para Portugal, mas apenas passei
por perto e infelizmente não deu para visitar, então só
restou mesmo algumas leituras a respeito do assunto.
O resumo do resumo da história começa
pela origem da palavra azulejo, e isso sempre é obscuro. As
mais aceitas são ac-zulaca
ou azuleij que significa pedra ou superfície brilhante, mas é
claro alguns insistem que vem de azul.
A
chegada em Portugal se dá através da Espanha, e por
essa época as técnicas eram bastante simples, de
colocação demorada e ainda com forte influência
moura. Nesse grupo havia os azulejos alicatados,
onde
pequenos pedaços esmaltados eram cortados e
juntados
formando mosaicos. Provavelmente semelhante ao que os atuais
azulejistas utilizam o torquez para ajustar um ladrilho em espaços
irregulares.
Azulejos alicatados - Palácio Nacional de Sintra
Essa
mesma técnica era também utilizada para a execução
dos tapetes,
que
foi desenvolvida pelos mouros marroquinos e que só foi
trazido para o Brasil no século XVII.
Capela dos Paços de Sintra
No
século XVIII, já no Brasil Colônia, a utilização
do azulejos ganha um grande impulso e profundas transformações
ocorrem também. A principal delas é a difusão do
estilo holandês, onde os ladrilhos são desenhados em
azul, utilizando o óxido de cobalto, com o fundo branco; se
afastando da influência mourisca.
Nesse
mesmo período, os azulejos saem do interior para ocupar as
fachadas das construções, pois se mostram ideais como
proteção das intempéries tanto da chuva quanto
do sol, mas principalmente como elemento decorativo. Salvador, Recife
e Rio se mostram grandes centros desta arte, mas é o Convento
de São Francisco, na capital baiana, um importante marco desta
época.
Já
no século XIX, o desenvolvimento ainda continua, e inicia-se a
fabricação de azulejos no Brasil; e na virada para o
século XX vem o neocolonialismo com a origens lusitanas
ressurgindo. Na chegada à decada de 30, a renovação
da arqutetura brasileira com os arquitetos Lúcio
Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão,
Jorge Moreira e Ernani Vasconcelos, que se encontram com Le
Corbusier, e este lhes expõe a importância de se
utilizar materiais locais, assim como a própria cultura nesses
projetos; e dessa forma acabam promovendo o uso de azulejos em
painéis nas fachadas dos prédios. A partir daí
esse grupo inicia o projeto do
Palácio Gustavo Capanema
que
irá marcar a arquitetura moderna brasileira e mundial.
A
Osirarte
Para
essa empreitada, havia a necessidade de não apenas uma grande
quantidade de azulejos mas principalmente serem artesanais a fim de
se formar painéis artísticos. Eram premissas que se
convergiam para Paulo Rossi Osir, artista com diversos quadros
espalhados pelo mundo e com experiência na confecção
de azulejos. E assim fundou a OSIRARTE, Atelier de Arte Decorativa,
São Paulo em 1940 para a fabricação de azulejos
em cima dos painéis projetados por Candido Portinari e em
seguida dos painéis do próprio Paulo Rossi Osir.
Muitos artistas passaram por lá como: Alfredo Volpi, Mario
Zanine, Giuliana Giorgi, Hilde Weber, Gerda Brentani, Alice Brill,
Ottone Zorlini, Franz Krajcberg entre outros e que tiveram seus
trabalhos registrados nos azulejos fabricados na Osirarte e que podem
ser apreciados nesse link
As
obras da OSIRARTE no Rio.
Palácio Gustavo Capanema
: (Fotos de Renato Wandeck)
Clube
de Regatas Vasco da Gama (Sede Náutica):
Escola
Municipal no Conjunto Pedregulho. Rio de Janeiro-RJ (Fotos
de Renato Wandeck)
Fundação
Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro-RJ (Fotos
de Renato Wandeck)
Instituto
Moreira Salles
Para o momento musical Cavalo Marinho (Baden Powell e Vinícius de Moraes)
Esse post é uma homenagem ao Selaron.
Fontes:
Amaral, Eliane Simi: Arquitetura e Arte Decorativa do Azulejo no Brasil
Wanderley, Ingrid Moura e Sichieri, Eduvaldo Paulo: Azulejo - Revestimento Cerâmico em Áreas Externas - Cerâmica Industrial, 10 (4) Julho/Agosto, 2005
A maior parte da consulta sobre a Osirarte veio do site Cerâmica no Rio de Renato Wandeck, que está fora do ar
Leituras:
Azulejos Antigos do Rio de Janeiro - http://azulejosantigosrj.blogspot.com.br/
Palácio Gustavo Capanema - http://www.archdaily.com.br/br/01-134992/classicos-da-arquitetura-ministerio-de-educacao-e-saude-lucio-costa-e-equipe
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